Duologia (conto by Lela Rago)

 


Ednei é um senhor que lutou muito em sua vida e enriqueceu à custa de muito trabalho, sua maior amargura foi perder o amor da juventude que não acreditou em suas ideias e preferiu a segurança de um casamento com seu rival.

Noites como a de hoje, ele fica sentado em sua sala no último andar do prédio em que sua empresa ocupa pensando no passado e contemplando as luzes da cidade por sua janela. Ele se assusta ao ouvir um barulho de aspirador de pó, vira sua cadeira e dá de cara uma moça, a faxineira.

—‌‌ Não avisaram que não quero que limpem minha sala a esta hora? —‌‌ ele pergunta levando a moça a se assustar também.

—‌‌ Desculpa senhor, acho que devo ter esquecido esta instrução, foram tantas, volto depois.

—‌‌ Espere, sente-se, não a conheço.

—‌‌ Sou uma faxineira, por que se incomodaria em saber quem sou?

—‌‌ Vim de baixo e acredito no potencial das pessoas. Sente-se menina e conte um pouco sobre você.

—‌‌ Mas vou atrasar o serviço e a mulher vai ficar brava.

—‌‌ Sou o dono da empresa, se estou falando para sentar e relaxar você obedece.

—‌‌ Si...sim senhor, quer dizer que é o senhor Edinei?

—‌‌ Correto, só que estou em desvantagem, você sabe meu nome, mas não sei o seu.

—‌‌ Pode me chamar de Neia.

—‌‌ Neia, antes de contar sua história vou pedir uma pizza e quero que a divida comigo.

—‌‌ Por que o senhor não vai para casa jantar com a família?

—‌‌ Sou sozinho, por isso não tenho pressa de voltar para casa, prefiro a empresa que está sempre cheia de gente pelos corredores, minha casa é muito fria.

—‌‌ Minha casa também é fria e também moro sozinha, perdi minha mãe há pouco e meu padrasto é um idiota, então me afastei para tentar a vida na cidade grande.

Enquanto Neia começa sua história, Ednei faz o pedido e ambos descobrem que gostam do mesmo sabor de pizza.

—‌‌ Sem querer ser indiscreto, qual sua idade, Neia?

—‌‌ Tenho vinte anos, senhor.

—‌‌ A idade da minha empresa.

—‌‌ O senhor…

—‌‌ Ed, todos me chamam assim.

Neia fica receosa, contudo não quer contrariar o patrão e obedece.

—‌‌ Ed, por que não se casou?

—‌‌ Porque a mulher que amava preferiu outro.

—‌‌ Isso é triste. Não teve filhos?

—‌‌ Gostaria de ter tido, talvez estivessem com sua idade.

A pizza chega e a degustam conversando sobre o passado de ambos, ela conta:

—‌‌ Uma vez eu estava saindo da escola e começou a chover, resolvi correr para molhar menos e acabei escorregando na calçada, um amigo veio me ajudar e caiu também, começamos a rir e perdemos a força para levantar, foi o maior banho que tomei na vida. Enquanto tentávamos ficar em pé, todos que passavam por nós escorregaram, no dia seguinte descobrimos que o pessoal da limpeza tinha passado cera para deixar mais bonita a calçada da escola.

—‌‌ Deus que estupidez! —‌‌ ele exclama rindo, nunca se divertiu tanto com alguém antes —‌‌ Quando eu era novo vivia caindo e minha mãe dizia que eu tinha dois pés esquerdos, o chão podia estar seco que eu dava um jeito de lambê-lo.

—‌‌ Minha mãe dizia que pessoas que caem muito ficam com a cabeça dura.

—‌‌ Sua mãe era sábia, sou bem cabeça dura. —‌‌ ambos gargalharam.

Depois da troca de várias histórias e ao final da refeição ele faz um convite irresistível a ela:

—‌‌ O que acha de ganhar o dobro que recebe aqui e trabalhar em minha casa? Há um quarto de empregada bem confortável, assim pode economizar em aluguel.

—‌‌ Morar com o senhor?

—‌‌ Não pense bobeira, preciso de uma arrumadeira, se preferir ir todos os dias é com você, ofereci de morar pois pode guardar o dinheiro do aluguel e do transporte.

—‌‌ Eu…

Ela é interrompida quando sua chefe invade a sala.

—‌‌ Edneia, o que pensa que está fazendo? Desculpe senhor Ed, não imaginava que esta funcionária fosse tão folgada.

—‌‌ Maria, eu a convidei e não quero que trate suas subalternas de forma tão rude.

—‌‌ O senhor a convidou? —‌‌ mulher questiona com sarcasmo.

—‌‌ Maria, acredito que preciso substituí-la, não admito que funcionários sejam tão desrespeitosos com os outros.

—‌‌ Desculpe senhor, foi…

—‌‌ Pegue os produtos de limpeza e faça você mesma a faxina, Neia não trabalha mais na empresa, ela será minha governanta em meu apartamento.

Neia dá um sorriso do velho senhor e sai com ele, no elevador Ed pergunta:

—‌‌ Por que não contou que seu nome era Edineia?

—‌‌ Fiquei com receio, antes da minha mãe morrer ela contou quem era meu pai e que havia dado a mim o nome dele mesmo depois que o abandonou para ficar com meu padrasto, quando ela morreu resolvi conhecê-lo. —‌‌ ela fala timidamente e com lágrimas nos olhos.

O pobre homem rico começa a chorar quando entende que aquela menina é o fruto do seu grande amor do passado e que agora ele vai poder ter uma casa tão quente quanto sua empresa. Pai e filha se abraçam e começam sua nova vida juntos.



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