Ódio (conto by Lela Rago)



Estou passeando pelo shopping e dou de cara com ela, sorte de merda, tento ignorar, contudo ela faz questão de me perturbar.

Estudamos juntas a vida toda e não houve um único dia que ela me deixasse em paz, não ajudava eu ter sido adotada por um casal gay, não só ela, mas a maioria da cidade nos tratava como párias.

Geralmente as pessoas preferem falar mal dos outros sem se importar em conhecer sua história. Meus pais tinham uma empregada que morava com eles e que engravidou de mim, assim que nasci ela me batia constantemente por chorar muito, eles se revoltaram e ameaçaram chamar a polícia caso não me entregasse para ser adotada por eles.

Ela aceitou na mesma hora, apesar da chantagem, meus pais deram uma quantia em dinheiro para que ela saísse da cidade, claro que não lembro das surras, pois era um bebê, entretanto agradeço todos os dias minha sorte de ter as duas pessoas mais maravilhosas do mundo como pais.

— Olha quem veio exibir a belezura no shopping!

— Por favor, esqueça que eu existo.

— Difícil, esquisita, você está em todos os lugares que vou.

— A cidade é pequena. — reviro meus olhos e me afasto.

Volto para minha loja e um dos meus pais pergunta:

— Vamos ter que mudar desta porra de cidade por causa dela, não é?

— Não entendi pai?

— Sempre que fica com este baixo astral é porque encontrou aquela garota.

— Ah, nem percebi que estava diferente, — respondo com tristeza — não se preocupe, tenho esperança de que um dia ela ache coisa melhor a fazer.

— Tenho vontade de dar um safanão nela. — meu outro pai afirma.

— Vamos trabalhar, logo volto ao normal. — dou um sorriso sincero e digo — Amo vocês. — e entro em minha sala para fazer o pedido de acessórios.

Dias depois nos encontramos de novo no banco.

— Que sorte a minha ver você duas vezes na mesma semana. — ela fala com sarcasmo.

Antes de pensar em uma resposta, o banco é invadido por vários caras mascarados, o que está acontecendo? Os presentes começam a gritar em desespero e com um tiro para cima um dos bandidos silencia o local e diz:

— Se ficarem quietos e o pessoal do banco obedecer às nossas ordens, nada vai acontecer.

— Vou passar pegando todos celulares e espero cooperação. — outro cara afirma e começa passar com uma sacola.

A cada um que ele pegava mandava a pessoa se sentar, minha “amiga” deu um jeito de sentar ao meu lado, eu mereço.

Com todos sentados e rendidos, o cara que pegou os celulares ficou nos controlando enquanto os demais foram para a parte traseira onde fica o cofre.

— O que será de nós. — ela sussurra.

— Se ficar de boca calada, nada. — respondo ríspida.

Ela fica mais próxima e pega minha mão dizendo:

— Estou morrendo de medo, posso fazer uma pergunta a você?

— Faça.

— Se estivesse em uma situação como a minha agora e tivesse que contar um segredo a alguém que ama muito o que faria.

— Está louca? Estou vivendo a mesma situação que você.

— Merda, não é isso, quero dizer que se tivesse uma coisa para contar o que faria?

— Contava de uma vez por todas, odeio rodeios.

— Foi o que pensei. — ela fala mais para si mesma.

Após alguns minutos em silêncio ela volta a falar:

— Como são seus pais?

— A coisa é a seguinte, sua filha da puta, — sussurro — quer avacalhar comigo fica à vontade, mas não se mete com meus pais.

— Não se aborreça, quero saber mais sobre vocês.

Minha surpresa é tanta que não consigo disfarçar, ela sorri e diz:

— Conte sobre eles, precisamos passar o tempo. Se preferir posso falar dos meus que são dois intransigentes e não me aceitam como sou.

— Meus pais são pessoas incríveis, recebo apoio em tudo que resolvo fazer.

— Legal e seus amigos como são?

— Não tenho amigos, a cidade ainda não aceita minha família.

— Só tenho você de amiga.

Pela segunda vez me surpreendo com a afirmação dela, desta vez não fico calada:

— Está brincando comigo? Nunca fomos amigas, você me critica desde pequena, esta é a primeira vez que não sou agredida por suas palavras.

— É meu jeito.

Neste momento a polícia fala do lado de fora do prédio com os ladrões, que desesperados, começam a gritar entre si. Se antes estava preocupada agora estou apavorada.

— O que farão conosco? — sussurro e uma lágrima escorre pelo meu rosto.

— Espero que nada. — ela responde tremendo.

Em uma questão de segundos, a polícia invade o banco e domina os bandidos. Com o lugar seguro novamente os policiais interrogam um a um e nos devolvem os celulares, tenho dezenas de mensagens dos meus pais, resolvo respondê-las pessoalmente.

Guardo o aparelho na bolsa e percebo que ela está me encarando.

— O que foi, vai voltar a me tratar feito merda?

Sem resposta ela chega bem perto, segura meu rosto e beija meus lábios com ardor, é tão quente que devolvo na mesma intensidade, ao se afastar ela afirma:

— Eu a amo por anos e a tratava mal para tentar me convencer de que não valia a pena investir neste sentimento, só que depois de hoje percebi que não posso mais esconder isso. Pensa e resolve como ficaremos daqui para frente.

Ela sorri e sai, deixando-me atônita e sozinha no meio do banco, será que estou sonhando? Se for real estarei pronta para enfrentar mais este preconceito dessa cidade?



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