Enchente (conto by Lela Rago)



– Falei para sairmos mais cedo! – ela reclama.

– Como sempre a sabe tudo! – ele responde.

– E estava errada?

– Quando vai parar de ser tão exigente e chata? Poderíamos ter saído depois da chuva.

– Não seja ridículo, não suportaria ficar por mais tempo com aquele bando de imbecis dos seus amigos.

– Agora são meus amigos, não me lembro de tê-los apresentado a você e sim o contrário.

– Cale sua boca.

– Merda.

– O que foi?

– O carro está com um barulho estranho, vamos ter que parar no próximo posto.

– Maldição, ainda bem que depois desta ponte há um.

– Eu disse para esperar a maldita chuva parar.

– Quem está sendo espertinho agora?

– Porra, não para, não para, caralho! – ele grita.

– Era só o que faltava, vou ligar para o guincho. Merda, estou sem sinal!

– Eu também, que ótimo, poderia estar assistindo ao futebol com os caras ao invés de preso com você no meio do nada e sem ter como usar o celular.

– Nossa, você é tão doce!

– Arrume outro, querida.

– Cala a boca, que barulho foi esse?

– Você enchendo meu saco.

– Mandei calar a boca, merda! – ela exclama.

– Porra, olhe o rio, de onde está vindo tanta água?

– Deus, precisamos sair daqui.

– Vamos ter que correr para chegar à terra firme, caralho de carro tinha que parar bem no meio desta porra de ponte?

– Dê sua mão, estou com medo. – ela diz enquanto correm para fugir de uma enxurrada que desce o rio e que vai provocar um enorme alagamento na região.

Infelizmente não são rápidos o suficiente e são lambidos pelas águas, cada um em seu desespero em se manter vivo esquece do outro, ele consegue agarrar a um galho e com muito esforço senta a cavalo nele, estando seguro vasculha o rio em busca da esposa e a vê segurando sua vida por um fino galho a poucos metros de onde ele está.

– Querida, fique calma, vou ficar de cabeça para baixo onde estou e você solta o galho, assim que a correnteza a trouxer para perto de mim eu a seguro.

– Não, não vou conseguir.

Ele a ignora e faz o que disse, cruza as pernas no galho e em um movimento fica de cabeça para baixo e suas mãos roçando as águas, olha a esposa com a mão estendida:

– Vem, por favor, confie em mim.

– Eu confio, mas tenho medo. – ela choraminga.

– Não posso perdê-la, então solta o galho.

Ela analisa sua situação por um tempo e percebe que o galho onde está segurando é muito frágil e com seu peso mais a força das águas logo vai se romper assim ela diz:

– Vou me soltar, como não sei se vai dar certo, quero que saiba que eu o amo.

– Também a amo. – ele responde sorrindo.

Neste exato momento o galho onde ela está se quebra o que impossibilita qualquer preparo por parte dos dois, assim de improviso ela deixa seu corpo ser arrastado e ao passar por seu marido é salva por seus braços.

Trocando um olhar, ambos começam a rir e ele diz:

– Querida agora é com você, escale meu corpo e sente no galho, depois volto a minha posição inicial.

Mas o que parecia uma coisa fácil tornou-se um segundo pesadelo, pois ambos estavam escorregadios por estarem molhados e a cada tentativa ela voltava a escorregar, percebendo que ela estava desistindo, o marido numa atitude arriscada, usa seu corpo com balanço e arremessa a esposa para o galho, ela se segura como pode enquanto ele volta a sentar a cavalo no galho e a puxa para seus braços.

– Achei que fosse me soltar! – ela exclama chorando.

– Nunca.

Ficam assim por um momento, até ela pedir:

– Desculpe por estar sendo não chata atualmente, queria parar de vir ver nossos amigos, é uma viagem tão longa para nada. Há dias que acho que eu amadureci e eles não.

– Amor, nunca gostei deles, mas não queria contrariar você, pois gostava de estar nestas festas.

– Sério?

– Sério. – ele responde sorrindo.

Aconchegados ela começa a gargalhar:

– Como vamos sair daqui?

– Não faço a mínima ideia. – ele responde e a acompanha na risada – Lembra quando fomos àquela maldita execução e tivemos que voltar a pé por que o filho da puta do guia estava muito bêbado para lembrar-se de contar quem estava no ônibus?

– Ai, nem lembra, queria furar os dois olhos dele.

– Pelo menos o dono da agência deu mais dois dias de graça, para compensar.

– Sim, – ela ri – foi a única vantagem pelas bolhas nos pés.

– Estava pensando, poderíamos planejar um aumento na família.

– Jura? Achei que não quisesse filhos.

– Não queria, agora quero, depois de hoje, percebi que a vida é imprevisível.

– Eu topo, minha mãe vai enlouquecer.

– Você quer dizer que nossas mães vão enlouquecer. – ele ri, no segundo seguinte para e pergunta em desespero – Porra, você sentiu isso?

– Sim – ela grita – não se mexa que nosso galho está cedendo…



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