Destino (conto by Lela Rago)



“Patinadora, destaque para as Olimpíadas deste ano, é atropelada e sofre lesão na medula espinhal, os médicos não têm um bom prognóstico dela voltar a andar. O motorista embriagado foi levado ao hospital com ferimentos leves, após a alta médica, será detido e irá responder por homicídio culposo” .

Tenho esta manchete colada à minha parede há cinco anos, imagine minha reação, quando aos dezesseis anos recebi a notícia que nunca mais poderia fazer as únicas coisas que amava: correr e patinar.

Na época, rezava todos os dias para morrer, minha vida não tinha mais sentido, sem meus pais e irmã não sei o que teria feito comigo mesma. A única coisa boa dessa desgraça foi minha irmã mais velha se apaixonar pelo meu médico, estão casados há quase três anos e estão tentando engravidar, vai ser muito bom ter um sobrinho, ou sobrinha.

Bem, como tive que seguir minha vida, então fiz um curso de informática e trabalho em casa com programação, mas como não consigo me afastar do gelo, meu pai consegui que eu me tornasse instrutora da turma de patinação mirim em um clube na cidade, são as únicas horas do dia que me sinto viva.

Minhas pequenas patinadoras são umas princesas, muitas vezes desastradas, mas encantadoras e ver sua empolgação faz meu coração bombear com mais força.

– Laila, coluna reta e cabeça erguida, você é uma princesa! – falo para uma das minhas alunas.

Ela se corrige e pouco depois nossa aula termina, as mães vêm me cumprimentar e pegar as suas filhas, e como todas as vezes ganho beijos babados de todas, minha irmã acha nojento, eu amo, pois elas são a razão de estar vivendo dia após dia.

Pego minha bolsa e vou para frente do clube para esperar meu cunhado, que sai da clínica e me pega, religiosamente.

– Licença, é a senhorita Helena dos Reis?

– Sim, em que posso ajudar?

– Bom dia, sou Edgar Paiva, minha filha é uma fã e gostaria de convidá-la para jantar em casa.

– Por cima do meu cadáver, cara! Fique longe e para de assediar minha irmã? – meu cunhado vem em meu auxílio.

– Por que eu iria a sua casa? – ignoro meu cunhado, estou curiosa.

– Minha filha patina e seu técnico não é muito bom, e pensei que se você a visse no gelo aceitaria o cargo. – ele sorri e dá de ombros – Se quiser pode levar seu irmão, não é nada mais do que isso.

– Ele é meu cunhado metido a herói, aceito, um jantar diferente não cairia nada mal. – sorrio.

– Lena, você não o conhece, pelo amor de Deus!

– Marcelo, passou da hora de me virar sozinha, até quando você e Heloisa vão cuidar de mim?

– Até quando for preciso, nós a amamos! – ele exclama preocupado.

– Senhor Edgar, dê seu endereço, estarei lá às dezesseis horas com meus dois seguranças particulares. – falo sorrindo.

O homem passa o endereço a meu cunhado e se despede. Na hora marcada nós três paramos em frente a maior casa que já vi em toda minha vida, enquanto sou auxiliada a sair do carro, nosso anfitrião aparece.

– Boa noite, o jantar ficará pronto em breve, quero que veja minha Odette patinando, venham comigo.

Troco um olhar com meus irmãos e questiono, num sussurro:

– Ele tem uma pista de patinação própria?

Chegando lá, vejo uma menina miúda voando sobre o gelo, um nó se forma em minha garganta e minha irmã exclama:

– Deus, ela tem o mesmo estilo que você para patinar!

– Sim. – respondo com a voz embargada.

– Odette, venha cumprimentar a senhorita Helena.

– Ahhhhh, você veio! – a menina grita, corre e se joga em meu colo me abraçando e beijando – Assisti a todos os seus vídeos, desde pequena meu sonho era patinar como você, pedi para o papai implorar para ser minha treinadora, quero realizar seu sonho de ganhar as Olimpíadas e ser famosa por ser a pupila da grande Helena dos Reis.

Não sei como ela conseguiu falar tudo e um único fôlego, mas me conquistou e respondo:

– Sabia que Odette é a personagem principal do ‘Lago dos Cisnes’?

– Uau, eu não sabia, pai é um presságio. – ela afirma encantada.

– Isso significa que a senhorita vai aceitar minha oferta?

– Vou.

Acabei me mudando para a mansão por ficar um pouco longe da cidade e nos próximos meses e anos, Odette teve muito trabalho, sem se queixar fazia os exercícios e seguia regras rígidas, e ganhou vários torneios menores.

Edgar, que descobri ser viúvo, começou a se aproximar de mim, sabia que iria sofrer no futuro, mas estava vivendo meu sonho em outra pessoa, por que não viver este também?

Nossa rotina era perfeita, treinava Odette durante o dia e à noite era amada por seu pai, há dias que me pego preocupada, como um homem como ele pode se interessar em mim? Não tenho má aparência, mas poucos olham para uma cadeirante com desejo.

– Edgar, onde está a certidão de nascimento da Odette, recebi uma mensagem que me esqueci de mandar sua cópia.

– Deve estar na biblioteca, na gaveta de cima.

Não me conformo de cometer erros deste porte, fico muito brava comigo mesma, sem os documentos corretos ela não poderá se inscrever nas Olimpíadas. Começo a cavar as gavetas e nada do documento, uma pasta chama minha atenção e a pego.

Dentro há recortes de jornal sobre meu acidente, analiso um a um recordando o dia mais triste da minha vida, paraliso ao ver a foto de Edgar em um deles, minhas mãos começam a tremer e leio “... a família e o motorista entraram em um acordo onde ele se prontificou a pagar todos os custos médicos dela além de uma pensão vitalícia…”

Estou arfando e me assusto ao ouvir Edgar falar com a voz embargada:

– Não estava bêbado. Minha esposa estava brigando comigo e puxou o volante, desculpe não tive culpa!

– Então isso tudo é uma farsa?

– A única farsa é que seus pais, irmã e cunhado já sabiam quem eu era, quando falei sobre Odette eles concordaram que poderia ser bom para você.

Ele se aproxima e toca minha mão e me afasto perguntando:

– Onde está sua mulher?

– Morreu no acidente.

– Como? – pergunto séria, mas sem conseguir conter as lágrimas.

– Bateu com a cabeça no vidro e morreu no hospital.

– Por que disseram que estava embriagado?

– Por estar transtornado, fiquei fora de mim dizendo bobagens, ao fazerem exame verificaram que estava sóbrio. Deixa-me tocá-la, por favor! – ele choraminga.

– Este romance, – pergunto com sarcasmo – foi uma piada?

– Não, eu a amo e é verdade que minha filha adorava vê-la patinando, Odette nem sabe que fui eu quem destruiu a sua vida.

– Preciso ir embora.

– Não me deixe! – ele implora – Nunca amei outra pessoa como a amo.

– Mesmo assim, mentiu. – afirmo chorando.

Ele se afasta e eu ligo para minha irmã me pegar. Com todas as minhas coisas no carro Odette aparece confusa.

– Aonde vai?

– Preciso ir embora, seu pai vai explicar.

– Não, – ela se desespera, – pai não deixa.

Ignorando o choro dela, Marcelo toca o carro, num repente Odette sai correndo e passa por um atalho para a entrada do imóvel e pula na frente do carro, meu cunhado não consegue desviar e a atropela, meu coração para, saio do carro me arrastando e vou até ela que está sorrindo:

– Vamos poder apostar corrida de cadeira de rodas, mamãe.

Quero abraçá-la, mas tenho medo de tocar nela, então deito a seu lado, Edgar se aproxima e se ajoelha ao nosso lado chorando, olho para ele e imploro:

– Desculpe por minha cena e pelo que causei a Odette, prometo cuidar dela até o fim da minha vida.

Ele olha para mim sorrindo, deita ao meu lado, encostando seu corpo ao meu e responde:

– Foi o mesmo que disse a sua família, agora estamos amarrados por duas promessas, meu amor.



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