Desorientação (conto by Lela Rago)



Depois de um período assim, perdemos a noção de tempo e o senso de humanidade, o que importa é sobrevivência, comer e lutar para não sucumbir.

Neste lugar, retroagimos na evolução e voltamos a ser apenas animais sem crença e sem futuro, seria mais fácil se deixar levar, mas a vida é uma batalha contínua então vamos a ela.

Quando cheguei, pensei que estava tudo acabado e que viveria para lidar com meu inferno pessoal, só me enganei quanto ao ‘acabado’, a cada minuto que passa pago pelos meus pecados que não foram poucos.

Há vezes que penso em meu passado e me arrependo de cada besteira que fiz, lembro-me de minha amada esposa e meus queridos filhos com saudade, por eles ainda posso sentir um pouco de vida dentro de mim.

Fui um cara que sempre achou que controlava a própria vida e o próprio destino que estava acima de tudo e de todos, hoje posso garantir que era apenas mais um grande idiota dos tantos que vivem no mundo.

Se pudesse voltar no tempo um milésimo de segundo naquele dia eu… merda… a quem estou querendo enganar, sei que faria tudo novamente, uma vez idiota sempre idiota ou será que posso mudar quando sair daqui? O único que poderia responder é o tempo que não está muito preocupado comigo neste instante.

— Quem tanto pensa em mim?

— E quem diabos é você? — respondo com outra pergunta bravo pela petulância do ser que invade minha mente.

— O Tempo, caralho.

— E desde quando o tempo é um ser físico.

— E desde quando você conhece o Tempo pessoalmente para julgar? — ele questiona com sarcasmo.

Estou perdendo minha sanidade, tento esvaziar minha mente para recordar de minha família, mas nada surge e grito:

— Quer sair da minha cabeça e me deixar em paz!

— Não, meu amigo, fui chamado e estou aqui. Pense em mim como sua fada madrinha, faça um pedido e o realizarei. — ele responde e gargalha.

— Meu pedido é que suma daqui.

— Cuidado com o que pedir, pois é único e imutável! — ele avisa, deixando de rir e cruzando os braços.

— Vamos começar novamente, — suspiro e indago — quem é você?

— O Tempo. — ele responde enfadado.

— Estou louco mesmo. — sussurro para mim mesmo.

— Sou quem digo, acredite ou não. Quando uma pessoa me invoca com necessidade apareço e a ajudo.

— E o que pode fazer por mim? — começo a me interessar pela conversa.

— Você vai me dizer, livre arbítrio, lembra-se?

— Acho que não me sai muito bem com ele até agora, seria melhor ter alguém conduzindo minha vida por mim.

— Este é seu pedido?

— Espere, preciso pensar. — minutos depois respondo — Acho que prefiro começar do zero e tentar refazer minha caminhada.

— Quer voltar a ser criança? Isso é com outra entidade, não tenho este poder.

— Não criança, mas ser capaz de corrigir minhas merdas.

— Entendi, isso é possível. Tenho que adverti-lo que você pode voltar a ser o que era se não se esforçar muito. A humanidade tende a cometer os mesmos erros por medo da mudança ou preguiça do processo.

— E se eu deixar outra pessoa me guiar?

— Você pode cair em outros erros.

— Ou acertar. — afirmo.

— Ou acertar. — ele sorri e concorda comigo.

— Então que se foda, é o que quero, não acredito que serei o mesmo idiota que sempre fui se alguém me ajudar em minha caminhada.

— Pode estar com a razão, principalmente se for uma pessoa que o ama.

— É isso, obrigado, quero ser guiado por uma pessoa que me ame e que ajude em meu crescimento para me tornar uma pessoa melhor!

— Então abra seus olhos.

Quando faço o que ele mandou, uma claridade me cega e pisco várias vezes, ouço uma voz masculina gritar:

— Doutor, ele abriu os olhos!

— Afaste-se! Senhor, consegue me ouvir?

Concordo com a cabeça.

— Sabe onde está?

Olho em volta e imagino ser um hospital e pela segunda vez concordo com a cabeça.

— É capaz de lembrar-se do que houve com o senhor?

Vou concordar como das outras vezes, mas paro e penso… penso… realmente me esforço e minha mente está como uma folha em branco, sinto uma lágrima descer do meu olho e nego.

— Tudo bem, o tempo ajudará.

Tento sorrir e apago, quando volto a acordar estou em um quarto diferente com vários estranhos ao meu lado chorando e rindo ao mesmo tempo, o que está acontecendo? Quem são estas pessoas?

— Pai, estávamos com saudades. — um rapaz novo afirma.

Tenho um filho? Quero gritar para saírem, porém minha confusão não permite soltar uma única sílaba.

— Espero que cresça depois do que houve. — um senhor diz asperamente.

Sinto uma fisgada no meu peito ao ouvir esta crítica, qual o motivo dela? Por que não me lembro do que fiz para merecê-la?

— Querido, não fale assim, o que importa é que nosso filho está de volta. — uma senhora fala com ele.

Reconfortante ser defendido por ela mesmo sem saber o porquê. Preciso descobrir o que está havendo, começo a me apavorar fazendo com que meus batimentos aumentem e minha respiração acelere.

— Papai, o senhor está melhor? — uma moça sorridente se aproxima e pega minha mão.

Se entendi direito, é minha filha, olho nossas mãos unidas, o calor é bom, porém quem é você? Uma mulher surge ao meu lado, limpa suas lágrimas e questiona com uma expressão preocupada:

— Amor, que cara é esta? Você sabe quem somos não é?

Além de bonita é inteligente, pois foi à única capaz de perceber minha confusão e respondo com uma voz que não pode ser a minha de tão rouca:

— Não.

Todos ficam surpresos e trocam um olhar preocupado entre si, menos ela que deita e se aconchega ao meu corpo, acaricia meu rosto e responde sorrindo:

— Não se preocupe, vou guiá-lo no que precisar meu amor!

Sinto uma paz em meu peito, uma certeza que tudo vai dar certo, basta confiar minha vida a ela.



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