Amigos (conto by Lela Rago)



Sou uma pessoa privilegiada, tenho diversos amigos, por isso estou acompanhada na maioria do tempo. Quando era criança, não sucumbi a minha realidade por causa deles.

Sou obesa, minha família toda é, e sempre vivemos bem com isso. Quando entrei na escola alguns meninos começaram implicar comigo me chamando de gorda, não ligava, pois sabia que cedo ou tarde meus amigos cansariam de ver minha tristeza e cuidariam de mim brigando com eles e os afastando.

Conforme fui crescendo as coisas pioraram, os garotos que gostava me ignoravam ou riam de mim, achavam que eu não tinha direito de amar. Nestes casos, meus amigos continuavam me protegendo.

Todos os problemas que enfrentei, ao longo da vida, foram resolvidos por eles, o engraçado é que os garotos que me humilhavam acabavam sumindo de meu entorno. Uma vez questionei o motivo e meus amigos alegaram que era medo de apanhar, naquele momento fiquei preocupada que eles se metessem em encrenca e resolvi seguir minha vida sem garotos.

Como sempre fui muito boa com tecnologia era natural fazer faculdade nessa área e depois de formada comecei a trabalhar em uma grande empresa do ramo. Meus amigos ficaram muito orgulhosos de mim, meus pais não, pois queriam que eu trabalhasse em meu computador do quarto e quando chegava em casa do trabalho cansada, tinha que suportar muita discussão, ficava tão chateada que cheguei a pensar em morar sozinha, mas não o fiz.

Um dia, ao voltar do serviço, encontrei meus pais mortos, entrei em desespero, afinal eles eram minha única família viva, estava tão atormentada que não conseguia pensar direito, mesmo assim, chamei a polícia.

Alguns minutos depois, minha casa estava repleta de pessoas estranhas, desde policiais até legistas, elas iam e vinham, algumas faziam perguntas, outras só tentavam me acalmar, só voltei a ficar bem quando meus amigos chegaram.

Parecia estar vivendo em um pesadelo, o que faria sem meus amados pais? Da mesma forma que meus amigos, eles dois cuidaram de mim a vida toda, como conseguiria seguir sem eles? Mesmo próximos, meus amigos não passavam vinte quatro horas comigo.

Fiquei tão deprimida que meu chefe deu dez dias de folga para me recuperar, o que foi pior, pois ficava sozinha em casa sem ter como me distrair.

Num final de tarde, com meus amigos em casa, recebi a visita de alguns policiais, os coloquei para dentro e uma moça sentou comigo no sofá e afirmou que depois de algumas investigações, descobriram que um conhecido havia matado meus pais, pois não encontraram sinais de invasão na casa, encarei meus amigos que saíram de perto, Deus o que fizeram?

A policial continuou seu relato dizendo que pelo enrijecimento dos corpos eles haviam morrido a quase doze horas antes de tê-los chamado, ou seja, eu estava em casa quando tudo aconteceu. Falei que era impossível, pois naquela manhã minha mãe havia feito meu café antes de eu sair para o trabalho, a policial alegou que os exames feitos poderiam ter uma variação de erro de uma hora em média.

Por fim ela disse que eu seria presa pelo assassinato dos dois, comecei a rir, só poderia ser uma brincadeira, num repente tive a certeza que havia sido meus amigos e resolvi denunciá-los.

Respirei fundo e contei minhas desconfianças sobre o desaparecimento das pessoas que me magoaram em meu passado, os policiais presentes ouviam e trocavam olhares estranho entre si, gritei e mandei que prendessem meus amigos, afinal eles estavam ali sem ao menos se defenderem, isso é uma confissão não é. Apesar da minha denúncia, fui presa.

Na delegacia, o delegado conversou comigo e afirmou que todas as provas indicavam que eu havia cometido um patricídio e um matricídio, que não havia mais ninguém na casa além de mim. Surtei, pois meus amigos estavam lá e todos os policiais os viram, tanto no dia fatídico quanto hoje.

O homem da lei chamou as várias das pessoas que estiveram em minha casa e perguntou sobre minha afirmação, a resposta foi unânime que eu estava sozinha em ambos os momentos.

Cai no encosto da cadeira e comecei a chorar, só podia ser um complô contra mim, um homem de branco entra dizendo:

— Querida, sou médico, eu e meus ajudantes vamos levá-la para um lugar muito bonito.

— Como assim?

— É um hospital psiquiátrico.

— Não sou louca. — respondo de pronto.

Neste instante, meus amigos chegam e sorrio, pois estava salva e grito:

— Vejam eles estão aqui e vão cuidar de mim.

O homem olha com pena para mim e faz um movimento com a cabeça, dois enfermeiros enormes me amarram e começo a me debater e implorar pela ajuda dos meus amigos, que desta vez não fazem nada e o homem afirma:

— Querida, sou psiquiatra e garanto que está tendo visões, mais especificamente alucinações, pesquisamos sua vida, você sempre foi muito sozinha e se mantinha isolada do mundo e nunca teve amigos.

Com estas palavras fui internada como louca e passei a fazer uso de antipsicóticos, quando tinha sessões de análise os médicos tentavam me convencer que tudo que vivi estava apenas em minha mente.

Com o passar do tempo, comecei a aceitar o que alegavam, mas se os médicos e enfermeiros estão certos e meus amigos eram alucinações e estou sendo tratada de minha doença, porque eles continuam comigo?



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