Beleza (conto by Lela Rago)



– Bom dia, doutor! – uma mulher lindíssima entra em meu consultório.

– Bom dia, o que posso fazer por você?

– Preciso que o senhor reduza minha mama, coloque silicone no bumbum, barriga e culotes, quero aumentar meu nariz e…

– Um momento, acho que você está em especialista errado, sou cirurgião plástico e o que precisa é um psiquiatra.

– Não estou louca, mas vou ficar se continuar com minha aparência. – ela afirma.

– Moça, não posso fazer o que me pede, seria antiético de minha parte.

– Antiético é recusar-se a fazer o que peço.

– Você é uma mulher linda, se fizer alguma alteração corro o risco de deixá-la deformada.

– E se for o que quero? – ela me desafia.

– Que mulher iria querer ficar feia? – questiono com sarcasmo.

– O senhor é minha última esperança, por favor! – ela suplica.

– Sinto muito, terá que procurar outro profissional.

Ela dá um aceno com a cabeça, levanta e sai sem se despedir. Que loucura!

– Quem é a deusa que acabou de sair daqui?

– Uma desequilibrada que queria ficar feia, imagina o risco que correria de ser acusado de erro médico.

– Vamos sair para tomar umas no fim do dia?

– Combinado.

Passados alguns dias minha secretária entra com a correspondência, uma delas chama minha atenção por estar em um envelope todo preto escrito com uma letra delicada em prateado.

Olho o remetente, surpreendo-me ao reconhecer o nome, é da moça que veio me ver há alguns dias, que porra ela quer comigo? Só falta ser uma ameaça, suspiro e abro cuidadosamente para não danificar o conteúdo.

Dou uma lida rápida no início e assusto-me com o conteúdo, jogo a carta sobre a mesa e me afasto para pegar um copo de água, olho o papel sobre a mesa como se fosse um animal peçonhento, não sei o que fazer?

Reflito e volto a sentar, devo ter entendido errado, pego a carta e releio com mais calma, desta vez vou até o final.

“Caro doutor, se está lendo esta carta é porque estou morta, não estava mentindo quando disse que o senhor era minha última esperança, consultei com todos plásticos que pude pagar fazendo o mesmo pedido, sem sucesso.

Não consegui entender qual o motivo da reticência de vocês em aceitar mudar minha aparência, que foi uma maldição por toda minha vida. O engraçado é que nenhum de vocês quiseram perder seu tempo tentando descobrir a causa, pois bem, agora vou contar um pouco sobre mim.

Fui uma criança linda que viveu entre loucos, minha mãe era uma preguiçosa que não queria trabalhar e me inscreveu em uma agência de modelos para ganhar dinheiro às minhas custas desde bebê.

Quando cresci um pouco, o marido dela se achou no direito de tirar minha virgindade e me estuprou, isso durou até meus dez anos, quando cai doente e fui parar no hospital e os médicos diagnosticaram DST, fizeram alguns testes e descobriram o abuso que sofria.

Questionada falei que quem fazia mal para mim era meu padrasto, minha mãe deu uma bofetada em minha cara, pois não acreditava, com os testes de DNA do sêmen encontrado em mim ficou comprovado o estupro, levando o cara à prisão por abuso de menor.

Mesmo com as provas e a confissão do marido, minha mãe deixou de confiar em mim, achava que eu havia seduzido o canalha, como se uma criança soubesse o que é sexo ou sedução.

Independente de sua confiança em mim, continuei trabalhando para ela ter uma vida boa. Na adolescência, ela fez com que me prostituísse para conseguir os melhores trabalhos de modelo.

No dia que completei vinte e um anos, peguei minhas coisas e sumi, isso faz dez anos, neste tempo todo não ouvi falar dela, espero que tenha se ferrado na vida.

Como só sabia usar minha beleza para ganhar a vida, continuei a ser modelo no exterior, longe de minha vida antiga, mas não da minha maldição.

Todos os caras que me relacionei usavam-me como moeda de troca, ‘romance’ por sexo, quando tentava rebelar-me apanhava.

Conheci um cara, que pensei ser diferente dos demais, um belo dia ele falou que gostava que sexo grupal, fiquei receosa, ao final aceitei, eu o amava, naquela época transei com homens e mulheres indistintamente e da forma que ele pedia.

Por causa de tanto sexo acabei engravidando e fiquei encantada, resolvi afastar-me dele e daquela vida para cuidar do meu bebê. Quem era o pai? Impossível saber.

Fiz minha mala e quando fui me despedir dele apanhei até perder a consciência, no hospital fiquei sabendo que havia perdido meu bebê, no mesmo dia descobri que não poderia sair do lado dele senão morreria, pois eu era a fonte do dinheiro dele, todos aqueles parceiros pagavam altas somas para transar comigo.

Estava tão deprimida que comecei a me afogar em bebidas e drogas, com isso minha beleza foi se esvaindo e fui descartada pelo filho a puta. Tive a sorte de conhecer uma senhora que era voluntária em ajudar pessoas viciadas e fez com que ficasse limpa novamente.

Abandonei minha vida de modelo e fui trabalhar em uma empresa como secretária, foi meu melhor momento, quando conheci o filho do dono fiquei apaixonada como nunca havia ficado antes, começamos a namorar e nos casamos, isso faz pouco mais de um ano.

Estávamos muito felizes, inclusive planejando nosso primeiro filho, quando minha maldição surgiu em forma de chantagem, o canalha que me abandonou por causa das drogas apareceu ameaçando contar sobre meu passado a meu marido se não voltasse a seus jogos com sexo.

Fiquei apavorada, mas refleti e decidi contar ao meu marido, não havia jeito de voltar àquela vida, sabia que seu amor por mim faria com que entendesse e me apoiasse, nunca me enganei tanto. Quando ficou sabendo das coisas que fui obrigada a fazer disse ter nojo de mim e pediu o divórcio.

Depois de perder tudo que amava, resolvi fazer plástica para me tornar outra pessoa, entretanto não consegui que nenhum profissional realizasse meu sonho de ser feia. Assim, hoje devo ser pela última vez, capa de jornais e revistas, imagino a notícia ‘famosa modelo salta para morte’.

Esta carta, doutor, não é para o senhor se sentir culpado e sim para mudar sua prática como profissional, aprenda a conhecer um pouco sobre sua paciente para entender suas escolhas.

Tenha uma boa vida, pois eu terei uma ótima morte e estarei feliz por não ter passado minha maldição a ninguém.”

Caio no encosto da minha cadeira, Deus o que eu fiz? Ligo meu computador para pesquisar sobre um possível suicídio e lá está a notícia, onde descrevia que ela pulou do terraço de seu apartamento na madrugada do dia anterior e foi encontrada logo cedo pelo porteiro, o que mais chamou minha atenção foi a entrevista do homem:

“Achei-a entre os arbustos, estava toda desfigurada e machucada, mas foi a primeira vez que a vi sorrindo”.



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