Estou num cruzamento à noite, não sei onde, não sei a hora, também não sei se estou a pé ou de carro, a única certeza é o cruzamento. É como se existisse só eu na terra, mas a solidão não me incomoda.
Na rua que estou não há como seguir em frente, é um cruzamento em T e a única saída é virar a esquerda, pois tenho consciência de que pegar a direita estarei na contramão.
Não sou capaz de dizer se há casas, terrenos, só vejo o cruzamento no escuro, ah tem uma árvore na esquina da calçada ao meu lado direto e consigo distinguir seu tronco e seus galhos secos e esbranquiçados.
Estou sozinha, mas não tenho medo, sei que estou presa na cena e aceito com resignação e calma.
Um carro aparece do nada e converge em minha direção, sei que é meu fim. Dentro dele há um casal de idosos, não os conheço, quando o motorista me vê ele freia, dá marcha ré e fica parado no cruzamento, perpendicular de onde estou, ficamos ali presos por mais um tempo.
De repente surge este som de motor de carro acelerando atrás de mim, acelerando, acelerando, cada vez acelerando mais, é quando o medo surge e o desespero me domina.
Começo a sussurrar pedindo ajuda, estico meus braços para chamar atenção do meu marido, sei que se acordá-lo vou sair desse transe, e não consigo, estou presa no cruzamento.
Grito cada vez mais alto por ajuda, estico e sacudo meus braços, até que sou capaz de ouvir minha própria súplica de ajuda e alcanço meu marido...
– O que foi? Estava sonhando?
– Desculpa, acho que sim. – respondo aliviada por sair da minha paralisia.
Peguei sua mão para que não voltasse a minha prisão, comecei a pensar e a única coisa que lembrava era o cruzamento, fiquei alguns minutos só lembrando dele, mas com o passar do tempo pouco a pouco fui lembrando dos detalhes.
Resolvi perguntar ao meu marido:
– Você acordou comigo pedindo ajuda?
– Não.
– Sentiu meu toque em você?
– Também não.
– E como acordou? – questiono confusa, pois tinha certeza que eu o havia despertado.
– Não sei, tive a impressão de ouvir um ruído de motor. – ele responde sem entonação – Volte a dormir.
– Não sei se consigo, perdi o sono.
– Fica quietinha que logo ele volta. – meu marido virou para o seu lado e dormiu.
Por minha vez, resolvi escrever umas das situações mais bizarras que vivi e a cada palavra que redigia mais detalhes recordava o que provocava uma enxurrada de lágrimas, foi um choro sem soluços, um choro quieto e mesmo assim intenso, não sei se pelo pavor que passei no sonho ou por alívio por ter acordado.
Não sou capaz de explicar em palavras a angústia que senti ao ouvir aquela aceleração, agora só de lembrar a cena meu coração aperta, gostaria de saber desenhar para colocar no papel a imagem que não sai da minha cabeça, parece um quadro em preto e branco, pintado a lápis, mas sem a intenção de ser realista.
O curioso foi não ser capaz de ver meu entorno, sei que estão lá, mas não posso precisar o que são, nem o que está a minha frente, muito menos atrás de mim, só o cruzamento, a árvore e o carro, ambos a minha direita, é como um jogo em primeira pessoa, onde não tenho corpo, só visão do ambiente.
Tive vários pesadelos ao longo da minha vida e não saberia contar nenhum deles hoje, porém uma coisa posso afirmar, nunca fui tão afetada por eles como este, talvez a paralisia tenha feito seu melhor e o fato de estar impossibilitada de ver o ambiente de forma completa fez com que minha consciência desse asas à imaginação ao melhor estilo Stephen King.
Estou agradecida pela ajuda que tive, provavelmente espiritual, que me tirou daquele transe, daquele cruzamento.
Mesmo estando salva não consigo dormir... e se retornar à minha prisão… e se não tiver a sorte de voltar a acordar... e se…