Estaciono minha moto na orla, desço e penduro o capacete no guidão, descarto minhas botas e vou para a areia descalça, sento e fico vendo o mar indo e vindo, o pôr do sol é a coisa mais linda atrás de tanta água.
Tenho vivido os últimos meses viajando, talvez prefira usar a palavra fugindo quando chegar ao final do meu relato, há dias que é como sinto, provavelmente sou a covarde de que fui acusada quando peguei minhas coisas e sumi.
Em minha moto, conheci metade do Brasil e alguns países vizinhos, trabalhei em coisas tão aleatórias que se estivesse em meu juízo normal nem teria chegado perto, mas quando o dinheiro começa ficar escasso temos que fazer qualquer coisa para sobreviver.
Nessas andanças, conheci pessoas de todos os tipos e aprendi muito com elas. O engraçado é que elas achavam minha vida fascinante, viver um dia atrás do outro sem saber onde estaria amanhã, eu trocaria de bom grado com qualquer uma delas.
Minha família não me acha tão glamurosa, ouvi palavras bem duras quando sai e ainda ouço quando ligo para saber como estão. Na realidade, continuo mantendo contato por ela, senão teria esquecido da existência de todos eles, provavelmente farei quando ela se for.
Uma onda mais forte chega até mim e molha meus pés, sorrio e levanto, vou mais perto da água, o suficiente para sentir a barra da minha calça molhada. Parada no mesmo lugar por um momento começo a perder a areia sob mim, sempre achei incrível a força das águas, lentamente faz sua vontade sobre todas as coisas, queria ser forte como ela.
Saio dos meus pensamentos e percebo que escureceu, volto para minha moto, preciso achar um lugar para dormir. Faço uma rápida pesquisa no celular e vou a um hotelzinho aqui perto, bem pitoresco quando chego lá.
– Boa noite querida, – ouço e me arrepio, é a voz dela – vai ficar quanto tempo conosco?
– Nã…não sei. – gaguejo.
– Sou Filomena, dona e faz tudo. – ela afirma e gargalha.
Meu peito aperta e sinto lágrimas se formando, como duas pessoas podem ser tão parecidas? Fisicamente não, mas todo o resto, quando dou por mim falo sem pensar:
– A senhora parece com minha avó.
– Espero que seja um elogio. – ela pisca um olho.
– Tenha certeza. – afirmo tentando sorrir apesar das lágrimas teimarem em descer.
A mulher dá a volta no balcão e me abraça perguntando:
– O que houve, querida?
– Ela está em coma.
– E por que não está com ela?
– Não sabe quem sou.
– Mas você sabe e pode recordar a ela todos os bons dias que viveram juntas, mesmo ela parecendo ausente.
– A senhora acha que ela ouviria?
– Querida, se for o contrário, sentiria que sou uma tonta, pois quando meu velho ficou assim conversava com ele o tempo todo. – ela gargalha.
Vou para meu quarto e fico na cidade por dois dias, tempo suficiente para Filomena me convencer a voltar. Mais quatro dias estou em casa, troco de roupa e visto o vestido preferido dela e vou à casa de repouso.
– Senhorita Juliana, venha, sua avó vai adorar vê-la. – a dona afirma sorrindo.
Sou levada a um quarto diferente do que ela costumava ficar. Meu coração perder o compasso quando vejo sua cama vazia, vasculho o quarto e ela está sentada em uma poltrona lendo, não acredito, ela voltou.
– Vovó! – começo a chorar e corro para ela, sento a seus pés e deito minha cabeça em suas pernas – Por que não contaram que a senhora estava bem?
– Eu sabia que voltaria quando estivesse pronta. – ela sorri e pergunta – Quanto a mim, garanto que estou pronta pra outra e quero saber quando vamos dar outra volta naquela moto maravilhosa que me fez viver a maior onda da minha vida.
Começo a rir depois de tantos meses e a acuso brincando:
– Sua velha louca, nunca mais sentará em minha garupa, não é capaz de se manter firme sobre ela.
Meus livros de contos podem ser adquiridos através do site da Amazon
Visite meu blog onde encontra tudo sobre meus livros Lela Rago