Tatuagem (conto by Lela Rago)



Hoje decidi fazer minha primeira tatuagem, liguei e consegui marcar para após o almoço. Depois de pensar muito resolvi cobrir meu peito com a imagem do Coringa, baseada no personagem de Heath Ledger.

Sempre achei fascinante aquela maquiagem distorcida, rebocada, manchada, assustadora, real. Sim real, meu real, minha vida é aquela imagem.

Meu tatuador foi bem simpático e avisou que vamos ter que dividir o trabalho em duas sessões por causa do tamanho, hoje ele fará todo contorno e no próximo mês a pintura, confesso que estou ansioso para ver a arte completa.

O rapaz demorou seis horas para tatuar rosto e pescoço do meu Coringa, a cada traço me sentia mais forte e confiante, serei outra pessoa ao final.

Em casa, observo meu reflexo no espelho quebrado do quarto e contorno as linhas com meu dedo indicador, ele parece tão vivo, realmente vai ficar muito foda quando estiver pronto.

Na semana seguinte meu desenho começa a coçar, uma sensação muito boa e significa que estou mais perto da finalização.

Com o passar dos dias, acabo me distraindo no serviço pensando na tatuagem e esqueço dos meus compromissos, acabo levando uma tremenda bronca do filho da puta do meu patrão.

Faltando uma semana para minha segunda sessão, meu Coringa está a cada dia mais incorporado a mim e eu a ele. No dia que levei a bronca ele piscou para mim, foi quando soube que éramos um só.

Hoje é o dia marcado e estamos ansiosos, ao entrar no estúdio digo ao tatuador que este mês pareceu ter durado 60 dias, em resposta ele riu. Depois de mais seis horas meu amigo está pronto, ficou melhor do que pensava, mesmo com a pele machucada ele está completamente vivo.

Saio e na calçada ele diz “obrigado, agora podemos conquistar o mundo”, toco meu peito e posso sentir seu rosto se movendo ao falar e sorrio, não estarei mais sozinho e indefeso.

Corro para casa, tiro minha camisa e olho no espelho, meu amigo diz “ah, vamos tacar o terror nesta cidade” e gargalha, sou contagiado e rio com ele.

Na manhã seguinte resolvemos que não vamos trabalhar, precisamos de roupas novas, afinal eu e Coringa não podemos nos vestir de forma descuidada, no centro da cidade entro em algumas lojas até achar a melhor delas.

Depois de escolher uma variedade de calças e camisas voltamos para casa onde descartamos todo conteúdo do meu armário e jogamos no lixo, seu devido lugar. Com minhas novas roupas, fico de frente ao espelho me admirando.

Coringa reclama: “Quero ser visto também, exijo que deixe os botões abertos quando formos sair”.

Sorrio e respondo: "Desculpa amigo, ainda sou novo nessa realidade de nos mostrar”.

Ele afirma: “Precisamos comprar uma arma, um homem de verdade não pode viver desarmado”.

Coringa é fantástico em suas opiniões, assim no dia seguinte vamos atrás de uma arma e descubro que não é tão rápido adquiri-la, mas ele resolve a questão, comprar uma ilegalmente, fiquei excitado só com a ideia.

Saímos à noite em umas quebradas e ficamos sabendo de um cara especializado em armamento e combinamos com ele que queremos duas automáticas, claro que meu amigo Coringa não iria ficar de fora.

Em casa, colocamo-nos lado a lado em frente ao espelho, cada um com sua pistola, dois machos prontos para a vida.

Logo cedo vamos ao trabalho, precisamos dizer umas verdades para o porra do nosso patrão e avisar que estamos fora, um par de caras como nós não podemos nos sujeitar a um emprego tão ordinário e com um salário medíocre.

Na empresa, grito com todos e deixo que saibam minha verdadeira opinião sobre cada um deles, meu patrão intervém e saco minha arma, todos gritam e Coringa me incita contra eles, nós dois rimos da cara de desespero dos meus antigos colegas de trabalho e colo a boca do revólver na cabeça do meu chefe e aviso “um piu e estará administrando o inferno”, ele concorda com a cabeça visivelmente apavorado, rimos mais e saímos.

Passando por um banco, eu e Coringa trocamos um olhar e um sorriso, estamos tão sincronizados que conseguimos ler os pensamentos do outro.

Cada um pega sua arma e entramos gritando no banco, todos se jogam ao chão quando veem as armas, começamos a rir, é muito fácil ser respeitado quando se tem um amigo foda e uma arma engatilhada.

Exigimos o dinheiro, mas o inesperado acontece, a polícia invade o local e nos rende, a caminho da viatura eu e Coringa sussurramos uma discussão e ao final decidimos que em uma próxima vez precisaremos elaborar um plano.

–‌‌ Com quem este maluco está falando? –‌‌ um dos policiais questiona o outro que dá de ombros.

Troco um olha com Coringa que se esconde e respondo aos dois:

–‌‌ Estava pedindo para me soltarem, o ocorrido no banco era tudo uma brincadeira, oficiais. Por que são tão sérios? –‌‌ gargalho e sinto meu amigo fazer o mesmo sob minha camisa.

 

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