Caleidoscópio (conto by Lela Rago)

 


O que mais gosto da noite são suas luzes brilhando a cada canto que se olha. Nesta época em especial a profusão delas nas árvores e fachadas deixam a vida mais clara de se entender.

Este ano realizei meu sonho de conhecer A Cidade Luz, não é à toa que é chamada assim, sua torre magnificamente iluminada até parece uma escada para os céus e seu arco a porta para o paraíso.

Impossível alguém andar por suas ruas e não se maravilhar com séculos de história impregnada em suas construções e monumentos.

Passei toda minha vida em uma cidadela sem graça onde as pessoas se preocupavam mais com a conta bancária alheia que construir um futuro glamouroso para seus descendentes.

Fui tratado como Quasímodo por toda minha vida, um pária não pela aparência, mas pela falta da estirpe financeira. Eu os ignorava e seguia minha rotina até conhecê-la, nós nos unimos em uma época de rebeldia para ela e sonhadora para mim.

Mesmo tão diferentes vivemos um relacionamento memorável, nada como Romeu e Julieta, mas como o corcunda e a cigana, não, ela não morreu e sim seguiu a tradição casando com a estirpe ao invés do amor, foi a primeira vez que me senti como Quasímodo.

Aquele foi meu limite, abandonei a cidade para dar meu salto neste lugar todo iluminado, quero que o restante da vida que tenho seja claro e feliz.

Andando pelas ruas e vendo pessoas tão diferentes sendo aceitas como normal quase faz com que questione minhas decisões, quase…

Hoje é meu último dia aqui e reservei o restaurante mais luxuoso para enterrar meus centavos, quero encerrar minha estada com chave de ouro. Sou recebido pela recepcionista e levado a minha mesa, peço um vinho e um Boeuf Bourguignon e depois de me refastelar, encomendo vários macarrons para levar, quero saboreá-los lentamente.

Pago minha conta e saio para rua rumo a majestosa torre que deixei para ser minha última visita, ao chegar no topo recosto no gradil e fico admirando toda iluminação em volta comendo meu doce.

É tudo tão vasto e claro que sinto como se fosse dia, em meu peito é como estar no topo do mundo e ser de uma estirpe melhor. Dou um suspiro, amasso o saco de papel onde estavam meu macarron e jogo no lixo, faço uma chamada de vídeo a ela que atende no primeiro toque e me despeço, subo no parapeito e salto para a liberdade.

As últimas frases que ouvi foram de um guarda gritando “Non, monsieur” e dela chorando “Não posso viver com isso, vou encontrá-lo.”.

Meu último pensamento “somos Romeu e Julieta afinal” e minha última viagem torna-se um caleidoscópio.



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