Mãezinha (conto by Lela Rago)



Quando era criança minha mãezinha vivia dizendo que eu era igual ao meu pai, sentia orgulho e satisfação, que menino não quer ser comparado a sua figura paterna, que, infelizmente, nunca esteve presente em minha vida, quando perguntava sobre ele recebia um safanão e comecei a entender que não era uma boa pessoa e que minha mãezinha nos afastou dele por isso.

Por este motivo, procurei ser uma pessoa boa e carinhosa, mesmo assim ela continuava afirmando que era igual ao meu pai, o que era felicidade quando criança começou a virar tristeza e rancor, principalmente porque junto com as acusações vinham as surras. Minha mãezinha dizia que eu precisava endurecer para ser um homem de verdade, nunca entendi isso e quando questionava apanhava mais, houve vezes de ficar dias sem ir à escola por conta dos hematomas.

Conforme fui crescendo as agressões passaram a ser verbais, já que estava tão grande quanto meu pai, o que não a impediu de dar bofetadas na minha cara vez ou outra.

Em minha adolescência comecei a sair com uns caras e os ajudava com a venda de drogas para uns grã-finos na cidade, ganhei uma grana legal, até cairmos em uma armadilha e meus amigos morrerem, tive a sorte de levar um tiro de raspão no braço e percebi que estava tendo uma segunda chance e larguei a venda, apesar dos protestos da minha mãezinha.

Aos dezoito anos conheci uma garota que virou minha cabeça, cabelos negros, uma pele alva e olhos tão escuros quanto os cabelos, nunca tive uma sentimento como aquele, sabia que a amava e que a queria como esposa, para minha tristeza não foi assim, depois de uns poucos meses ela se afastou dizendo que seus sentimentos haviam mudado, aceitei, afinal ela tinha o direito de não gostar de mim como gostava dela, o que não impediu de doer muito.

Como estava cansado das constantes acusações da minha mãezinha de ser como meu pai e para ficar longe da minha menina resolvi encontrar meu velho, como todas desgraças na minha vida foram por conta dele, estava na hora de enfrentá-lo, resolvendo meu problema com ele, não poderia ser tratado como lixo por ser filho de um cara sem valor.

Arrumei minhas coisas e fui embora sem me despedir, deixei apenas um bilhete dizendo que estava indo abrir meus caminhos.

Demorei um tempo até encontrar o cara, neste período fazia todos os tipos de bico, pois o dinheiro das drogas começava a minguar.

Quando descobri o paradeiro do meu pai, fui até lá, para minha surpresa quem me atendeu foi uma doce senhora, identifiquei-me e ela começou a chorar, fiquei preocupado quando ela perdeu as forças das pernas e só não foi ao chão, pois a segurei, estando em meus braços ela se agarrou em um forte abraço e percebi que a senhora era de um material bem resistente e que estava emocionada por me ver.

Ela se identificou como minha avó, mãe do meu pai, colocou-me para dentro e na sala estavam dois homens sentados serenamente assistindo televisão, um idoso e outro mais novo em uma cadeira de rodas, ela os apresentou como sendo meu avô e meu pai, que tiveram a mesma atitude emocional que ela, meu avô levantou-se e me abraçou apertado como ela, enquanto que meu pai, mesmo sendo inválido, quase quebrou minhas costelas com tamanha força em seu abraço.

A atitude deles confundiu minha mente e meu coração, como pessoas ruins poderiam agir assim tão calorosamente, ninguém consegue ser tão dissimulado assim. Nos meses que busquei pelo meu pai elaborei uma vingança contra ele que acabou ficando esquecida, baixei minha guarda e resolvi analisar o comportamento deles por mais tempo.

Comecei a viver com os três, nunca senti tanta felicidade em estar em um lugar antes, meu pai apesar de não ter mobilidade nas pernas trabalhava em uma loja nas proximidades, todos gostavam dele lá e fui convidado pelo patrão para trabalhar com os entregadores por ser bem forte, aceitei na mesma hora, nunca tive medo de trabalhar.

Em nenhum momento, no passado, pude imaginar que a vida poderia ser tão doce. Meu pai ensinou-me várias coisas, ele é um homem culto e carinhoso, houve vezes em que ele, sentado no sofá, pedia para eu deitar em seu colo para ficar acariciando meus cabelos, meus avós faziam o mesmo.

Sempre que estava perto de um deles recebia um beijo, um toque nas mãos, um abraço, um aperto no ombro, coisas que até conhecer minha menina não imaginava existir, houve dias que a falta dela era bem dolorida, mesmo com o amor do meu pai, da minha avó e do meu avô.

Uma vez contei ao pai sobre minha amada, ele disse que devia ter lutado por ela e deu força para procurá-la não importando o tempo, um amor verdadeiro nunca morre, segundo ele.

Apesar de paralítico ele era uma pessoa muito ativa, ajudava minha avó e meu avô em tudo, confesso que quando fui morar com eles pensei que os velhos cuidassem dele, porém enganei-me. Ele tinha inclusive uma namorada e afirmava que a única coisa que não funcionava nele eram as pernas, esta história sempre provocava uma enxurrada de risos meus quando vinha à tona, velho assanhado.

Alguns anos se passaram e resolvi perguntar o motivo dele ter ficado daquele jeito, meio sem graça ele disse que foi em uma discussão com minha mãe, que perdeu a cabeça e bateu nele com um ferro de passar roupas para em seguida sumir no mundo comigo, fiquei chocado, naquele instante entendi as acusações da minha mãezinha que era igual ao meu pai. Depois da revelação, fui ao meu quarto e tomei uma resolução, prestar contas com ela.

Aproveitei minhas férias e voltei para minha cidade natal, para minha alegria a primeira pessoa que encontrei foi minha menina, que estava linda como sempre, percebi sua emoção a me ver e questionei se ela estava sozinha, alegou que não teve ninguém depois de mim e que se afastou, pois minha mãezinha disse que eu era um cara violento que ela devia ficar longe para seu próprio bem, mas que não se importava mais, pois não conseguia viver sem mim.

Beijei seus lábios e mandei que arrumasse suas coisas que ia vir morar comigo, meu pai e meus avós, na mesma hora saiu correndo para fazer o que falei.

Entrei em casa, ou melhor, na casa da minha mãezinha:

– Ah, voltou?

– Matar a saudade, senta, quero contar as novidades enquanto tomamos um café.

Faço-a se sentar e preparo um café especial de reencontro, coloco na mesa um dos pães da minha vó, minha mãezinha se serve sem me esperar, com o café pronto levo uma xícara a ela, acomodo-me em sua frente e aguardo ela se fartar. Quando percebo que está saciada questiono sorrindo:

– A senhora, sabe o que descobri mãezinha? Que não sou igual ao meu pai, pois ele não matou a mãe.

Ela empalidece e meu sorrio fica maior, levanto, beijo sua testa e saio para nunca mais voltar, no portão da frente encontro minha menina esperando-me, pego suas malas com uma das mãos e com a outra seguro-a bem firme e volto para minha vida de amor e paz.



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